sábado, 12 de março de 2011
O pianista
Tocava todas as noites naquele seu velho piano que há muitas gerações pertencia a sua família. Era um piano feito de madeiras exóticas e marfim. Era lindo, perfeito e único. Tratava dele como tratava a sua namorada, que só adormecia ao ouvi-lo tocar as mais lindas melodias de Chopin, Mozart, Sviatoslav Richter e outros. Viviam juntos há mais de 3 anos. Fugiram os dois pelo seu amor, a paixão que nutria entre ambos era tão forte que não se importavam de viver naquela pequena casa. Só o piano ocupava metade do espaço. Um pequeno frigorífico, uma velha televisão, um microondas, uma casa de banho, um pequeno armário e uma pequena cama preenchiam aquela vida simples mas feliz. Ela trabalha nas limpezas, fazia-las aqui e ali, ao mesmo tempo que tirava na universidade (com dificuldade) o curso de medicina. Ele, faz o máximo de horas que consegue como distribuidor na Telepizza, ao mesmo tempo que treina intensamente para ser o maior pianista de todos os tempos. A renda não era muito cara e nem tinham despesas exageradas,muitas vezes o jantar era pizza, mas nada disso importava, a felicidade enchia-os o estômago e a vida. Tudo era perfeito, nos dias de chuva (que ela amava) ficavam simplesmente deitados a observar aquela neblina que se opunha a um sol que tanto desejava abrir-se. Assistiam em primeira mão a aquela chuva que delicadamente escorria pela estrada num acto de limpeza daquela imensa sujidade que marcavam as diversas calçadas da goteja rua em que viviam. O tempo passava e diversas notas naquele lindo piano eram tocadas, ela achava-o perfeito e ele achava-a a mulher mais linda a face da Terra. Até que… num dia normal como todos os outros, ela apercebeu-se de que metade de todo aquele seu castanho cabelo caíra, encontrava-se tão pálida e fraca que nem da cama se levantava. “112, 112, rápido, por favor, salvem o meu amor” (gritou ao telefone ao mesmo tempo que chorava). A ambulância demorava a chegar, e ele não parava de chorar ao vê-la mórbida e quase sem vida. Num acto de desespero (e ainda de pijama) chamou um Táxi e de lá seguiram para o hospital mais perto. Fizeram-se testes aqui e ali. Coitada, diagnosticaram-lhe um tumor maligno que já lhe afectava metade do cérebro. Esse dia fora o mais longo de toda a sua vida. Vê-la deitada e ligada a tubos e o pior, saber que prontamente ela…ela, ela tinha remotas esperanças de sobreviver mas o tratamento era extremamente caro e ele, ele não tinha dinheiro! Foi para casa, chorou toda a noite, tocou e tocou, mas cada melodia que tocava não era sentida, não tinha o “tal sabor” como as outras, só pensava em arranjar dinheiro. Pensou em assaltar um banco, em fazer um crédito, em pedir aos seus pais, aos dela e ao Papa se fosse preciso. Até que pensou em vender o seu piano, o seu companheiro de longa data, a sua segunda razão de viver. Não hesitou, após tocar todas as melodias que sabia e de chorar, lá ligou à uma loja de música que a muito queria o seu piano por ser tão exclusivo e único. Por ele conseguiu um total de 25 mil euros. Correu, e correu, até chegar ao hospital. “SENHOR DOUTOR, SENHOR DOUTOR” (gritava estafado) “ aqui tem o dinheiro, opere-a, salve-a por amor de Deus”. O doutor olhou-o com um olhar triste e abatido. Disse-lhe o que ele não queria ouvir. Chorou, chorou, chorou e chorou. Não queria acreditar naquilo. Sentia-se vazio, sozinho, desamparado e desgarrado da felicidade que há tempos tinha. O dinheiro não valeu de nada. Usou-o para o funeral. Estavam lá todos. Ele continuava moribundo, quase sem palpitação e vida. Com o restante do dinheiro comprou bebidas. Bebeu, bebeu e bebeu, mas isso não lhe trazia-a de volta. Continuava triste, simplesmente
(Dois anos depois)
Coitado, ficara viciado no álcool. Perdera a casa. Agora andava de mala as costas. Era mais um sem-abrigo que comia uma sopa quente e que usava o cartão como colchão. Tinha a barba grande, o cabelo gigante. Tomava banho quando chovia e quando conseguia ir para o balneário público de Alcântara. A vida corria-lhe mal, até que um dia viu um papel : “Concurso de Piano no CCB. O vencedor ganha 5,000 euros e um contracto”. Não tinha nada a perder. Podia ser a única oportunidade de renascer e ser alguém. Entrou na camioneta sem pagar e lá foi. Chegou ao CCB e inscreveu-se. Passado um tempo viu-se numa enorme sala e ao pé de um grande piano. “Sente-se e toque” , disse-lhe Bernardo Sassetti, um famoso pianista português. Sentou-se, mas hesitava em começar, não conseguia concentrar-se, respirou bem fundo e fechou os olhos. Logo que o fez lembrou-se de tudo que lhe fazia feliz, ela! Lembrou-se dos beijos, dos abraços, do toque e de tudo o resto. De olhos fechados começou a tocar algo de Chopin com um enorme sorriso nos lábios. Tocou e tocou até acabar. Após isso uma enorme salva de palmas fez-se ouvir por toda a sala. Bernardo Sassetti levantou-se ao mesmo tempo que batia palmas dizendo: “temos o nosso vencedor, magnifico, fantástico, que talento”. Ele finalmente sentia-se feliz, “obrigado, obrigado” dizia com um ar tímido e reservado. Finalmente conseguiu ser algo, mas sentia-se triste por ela não estar ao seu lado e por isso escreveu-lhe uma carta: “ Meu amor, consegui finalmente. Graças a ti meu amor, meu tudo. Sinto saudades tuas. Espero que estejas bem ai no céu. O meu piano esta hoje num museu. A nossa antiga casa ainda continua vazia. Vou ver se falo com o Sr. António para a comprar. Espero que recebas essa carta meu anjo. Olha, hoje esta a chover, como tu gostas" !
Jaylson Graça
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